quarta-feira, 15 de agosto de 2012

Caravaggio no MASP


Este final de semana foi bastante proveitoso apesar de eu ter gasto, ao todo, mais de duas horas em filas. Das quais mais de uma e meia para entrar na exposição "Impressionismo - Paris e a Modernidade", no CCBB. Os outros quarenta minutos foram dedicados à espera de uma vaga na “Caravaggio e seus seguidores” em cartaz no MASP.
Pretendo Compartilhar minhas impressões com relação a ambas as exposições. Sendo que neste post vou me ater àquela com a qual o MASP nos presenteou. É verdade que um conjunto de seis obras pode parecer pouco, mas representa quase 10% do que hoje o mundo conhece da obra do artista. E apesar de nos dar aquele gosto de quero mais, é preciso aceitar que conhecer de perto uma ou duas obras do mestre já seria suficientemente satisfatório.
Sou um tanto suspeito para falar de Caravaggio, já que é comum o fã perder muito de seu senso crítico, mas arriscarei ainda assim, posto que de forma alguma fui o primeiro a considerá-lo um dos maiores mestres de todos os tempos.
São Jerônimo que escreve. 1605-6
 Não vou tentar descrever a sensação que experimentei ao entrar na primeira sala quando com uma leve rotação do pescoço me deparei com o magistral “São Jerônimo que escreve” com aquele manto vermelho saltando das trevas e envolvendo um iluminado São Jerônimo, que nos convence de sua concentração tanto pelo cenho quanto pela mão que segura o livro. Poderia falar das minúcias da tela de mais de 1,50m de largura, de cada detalhe representado pelo artista, como o desfiado do manto sob o braço direito do santo, a precisão anatômica, a maestria da pincelada ou o total domínio do claro-escuro, mas a sensação de me deparar com tudo isso de uma vez é, simplesmente, indescritível.
Medusa Murtola. 1597
Caravaggio subiu ao Olimpo das Artes. Qualquer estudo básico da História da arte acaba despendendo um tempo significante para apresentar o artista. Mas apesar de já assim tão sedimentado e digerido, o trabalho de Caravaggio não passa a nossos olhos como uma bela pintura, pacificada pelo costume, e sim como um golpe que nos obriga ao contraste. É bela, porém feia; Um prazer, porém soturno; É treva mas também é luz. Sua obra não vem nos contar algo, ela grita! Obriga-nos a olhá-la e nos petrifica, tal qual a cabeça da Meduza. Uma das obras mais incríveis que tive o prazer de experimentar.
Os quadro deste mestre barroco dispensa explicações. Não há Wölfflin que destrinche sua estrutura formal ou Argan que analise o poder de persuasão de sua imagem, pois a intenção do artista, sua experiência de vida, o drama da cena, tudo explode na superfície da tela e fulmina o observador, atravessando retina e espírito. Antes que se dê conta ele foi atingido e enquanto, ofegante, se recupera do baque processa as informações e intensifica sua relação com a obra.
Estes objetos são indiscutivelmente tidos como obras de arte, mundialmente conhecidos e apreciados, mas por quê? Thomas Mann, em seu livro Morte em Veneza, com complexa simplicidade esclarece: “As pessoas não sabem por que elas tornam famosas uma obra de arte. Sem o menor conhecimento de causa, julgam descobrir centenas de méritos para justificar tamanho apreço; mas o verdadeiro fundamento de seu aplauso é algo imponderável, é simpatia.”
Simpatia, bem entendido, não é um mero gostar casual, mas um deixar-se seduzir sem perceber, devido à força de atração que o objeto sedutor emana. Quem simpatiza se sente à vontade, se interessa, busca um maior contato. A simpatia inicial pode se tornar amizade verdadeira, pode se transfigurar em amor.
São João Batista alimentando o cordeiro. 1605-10
Ao nos depararmos com seu “São João Batista alimentando o cordeiro”, antes de analisar o quadro e interpretar a cena, nós simpatizamos com ele, captamos tristeza, solidão, melancolia, elementos que transcendem a mera ilustração e que permitem uma relação íntima entre público e obra.
Conhecer o quão conturbada e intensa foi a breve vida do artista, entender as propostas do barroco e sua contextualização contra-reformista, bem como reconhecer as passagens bíblicas captadas em muitas das telas deste “gênio da pintura” pode ser ideal para que se frua as obras em sua completude. Mas o que as transformam em obras-primas, criações de um verdadeiro artista, é poder dispensar tudo isso.
São Francisco em Meditação. 1606

São januário degolado ou Santo Agapito. c.1610

Retrato do cardeal (Benedetto Giustiniani?). 1599-1600

6 comentários:

  1. Porra cara, belo texto! Impressões agudas, intensas e apaixonadas, como a obra do Caravaggio merece. Só discordo de vc ser o primeiro a considerá-lo um dos maiores de todos os tempos - eu, pelo menos, também sempre o considerei assim!

    Abraço,

    Oscar

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    1. Valeu, cara!
      Mas eu falei que "de forma alguma eu fui o primeiro". rsrs. Nós não estamos sozinhos nessa!!rs

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  2. fla san!!!! realmente eh complicado visitar grandes exposições..rs mas tb naum fico muito feliz com essa lotação, nessas horas bate me lado ranzinza tipo Valéry..hiuhaiuahuah Queria deixar algumas impressões, uma: o quadro medusa, acho q o artista quis expressar seu triunfo pela arte.. assim como Perseu triunfou indiretamente..pelo escudo! Eu acho q o incrível realismo parece escorrer como uma descarga dramática da composição..parece que a disposição dos elementos é muito mais importante, acho q a beleza esconde algo visceral.. tipo o sangue jorrando dos pescoços..hiauhaiuhaiu
    Valew por escrever este espaço meu camarada!!!

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  3. Putes Alex, peço desculpas! Depois que vi que não li direito. Então concordo em todíssimos os aspectos consigo.

    Abraço!

    Oscar

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  4. Bom... Confesso que ainda não fui ver a mostra, mas fico impressionado com a capacidade que meu amigo tem transmitir em palavras Sentimentos tão íntimos e indescritíveis .

    Parabéns mano, precisamos marcar o nosso encontro.

    Grande abraço

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