sexta-feira, 15 de junho de 2012

Identificação


Joseph Beuys. Como explicar imagens a uma
lebre morta, 1965

            Certo dia uma colega de trabalho disse que um dia seria culta como eu! Como assim!? Fiz chacota do comentário e nem perguntei o que ela julgava ser “culta como eu”. Em seguida, porém, ela deu a entender que eu era culto por gostar de arte... que triste.
            Esta semana fui a uma consulta e, quando a médica viu o livro que eu li enquanto esperava, ela disse com um tom de voz que misturava espanto e deleite: “Arte Contemporânea!? Que chique!”.
[mais uma vez] Como assim!? Chique é curar doenças!!
            Quando eu digo, empolgado, que fui a uma exposição ou que vou a uma palestra sobre arte, a maior parte dos meus colegas e parentes tem reações que vão do descaso ao “que besta!” ou “que chique!”, passando pelo “que saco!”
            Isso me levou a refletir sobre qual o público que a arte encontra no Brasil (e que provavelmente se repita em outros lugares), e a até que ponto estes comentários são realmente absurdos e em que nível passam a fazer sentido.
            Em primeiro lugar: Eu não sou nem um pouco chique e tampouco um poço de cultura. Eu simplesmente gosto de arte, estudo o assunto e sonho em me profissionalizar na área. Se eu fosse administrador iria a simpósios sobre administração; Se médico, sei lá, sobre cardiologia. E as pessoas achariam, talvez, interessante, mas não chique ou indicativo de um alto nível cultural. Isso porque em nosso país a idéia de cultura está apartada da vida social, que conta com aquilo que é prático. Estudar engenharia tudo bem, mas arte!? Pra quê!? Com que finalidade? Arte é luxo.
            E não há como condenar quem não participa da cena artística por acreditar nisso, pois muitos daqueles nela inseridos fazem questão de sustentar esta ideia elitista, fazendo com que possuir, conhecer e, até mesmo, apreciar arte seja visto como um símbolo de status.
            Por outro lado, as instituições culturais realizam um constante esforço para atrair um público cada vez mais heterogêneo para este mundo místico e distante que parece ser o da arte, por exemplo, com exposições e palestras gratuitas. Mas oferecer a possibilidade de contato não se faz suficiente, é necessário estimular a procura por este contato. Se eu montar uma barraquinha em frente a uma escola de ensino fundamental, oferecendo beterraba e repolho gratuitamente, certamente, poucas crianças se interessarão por esta generosa oferta. Terei um público dentre aqueles que os pais já incentivam a comer tais alimentos, e aqueles que por sua natureza ou tem um apetite voraz ou são, no mínimo, curiosos. A maioria preferirá um McDonalds qualquer, um biscoito recheado, salgadinhos, refrigerante e tudo que é difundido como bom e bacana. Pra quê legumes!?
            Da mesma forma, o que atrai nossa atenção são I-Phones, I-Pads, Ai se eu te pego, e por aí vai. Nos interessa, diversão fácil para aliviar o estresse da rotina que criamos para atingir um ideal de felicidade que inventamos.
            Nos ensinam desde a escola a consumir e competir. Não se formam cidadãos, formam-se um grupo de indivíduos isolados, como numa composição de Giacometti, e que apesar do olhar constantemente voltado para os próprios umbigos, não conseguem sequer alcançar um autoconhecimento suficiente. Os outros nos interessam menos ainda. Política é também outra esfera, igualmente apartada da vida como a arte. Queremos seguir com nossas vidas, sem olhar para o lado e muito menos para trás; seguir nosso ritual há muito instituído e sacralizado, preocupando-nos apenas com aquilo que nos afeta de imediato. Já temos tanto no que pensar... que nos importa questionar o estabelecido, compreender o outro e nos descobrirmos. O que nos importa a história? É passado. O futuro é mais interessante. O presente, vamos vivendo sem pensar muito nele.
            A arte representa o contrário de tudo isso, e por isso a proximidade com ela se mostra difícil, não nos identificamos com ela. Parece um parêntese na nossa vida, mas o é apenas na nossa rotina. Pois nada está tão intensamente banhado de vida quanto a arte, e não falo de forma religiosa, como se ela fosse um deus. Pois os deuses estão acima de nós. Ela está ao nosso lado, basta que viremos o rosto; ou melhor, está diante de nós, basta que ergamos a cabeça.