quarta-feira, 9 de abril de 2014

Luiz Telles - Recorte de um Percurso Mítico

O Livro Vermelho (João Batista passa pela Isbá), 2011
Acrílica sobre lona de caminhão
72 x 92 cm (aberto)

Nossas histórias folclóricas remetem a mitos transmitidos oralmente ao longo de gerações. Tais mitos traziam em seu cerne o intuito de educar moral e socialmente as diversas comunidades por meio de sentimentos e emoções de forte impacto, como o medo e a piedade. Monteiro Lobato operou no Folclore Brasileiro algo similar a infantilização e adocicação que Walt Disney imprimiu às lendas europeias coletadas pelos Irmãos Grimm, esvaziando seu caráter soturno.


João Batista Gilgamesh Batista - 
Pedras, 2013
Acrílica sobre tela
60 x 60 cm
Telles percorre o caminho inverso, revirando o sótão das tradições a fim de atingir a camada mais profunda da alma. Distorce o contorno dócil de figuras conhecidas via “Sítio do Pica-Pau Amarelo” para trazer à tona criaturas verdadeiramente monstruosas. Mais que ilustrar uma revisão das lendas, sua obra corporifica aqueles seres e estabelece um diálogo com uma mitologia própria.


O Livro do Saci, 2008
Acrílica sobre lona de caminhão
72 x 92 cm (aberto)
A materialidade e o estilo, sobretudo, de seus livros remetem a ideia de uma artesanalidade primordial, menos decorativa que utilitária. São objetos que carregam uma história que para reverberar precisa ser manuseada, solicitam a interação como fazem os mitos. A gama sucinta de cores e o traço estilizado, muitas vezes esquemático, não simplificam a obra, ao contrário, a carregam com certa aura de mistério. A cor agride ao mesmo tempo em que seduz o olhar, as figuras fogem e nos obrigam a segui-las, as cenas sugerem enredos como uma voz que nos leva a delírios imaginativos. A rudeza do suporte e a presença física da tinta comungam para que o mito se torne presença, aludindo, ainda, a  livros de eras remotas, enquanto as citações visuais às histórias em quadrinhos distendem a dimensão temporal, situando a obra no presente.

Encontro com o Deus Pagão #01 - Curupira, 2011
Acrílica sobre lona de caminhão
210 x 135 cm
O caráter atemporal próprio dos mitos, que se adaptam a distintas realidades incorporando idiossincrasias e metamorfoseando-se, encontra eco no entrecruzamento do conto contemporâneo criado por Telles com as lendas por ele apropriadas. A destreza com que o artista transita pelos  diversos suportes - de quadros a instalações - reforça a ideia deste percurso dialógico e expansivo. Em um caso, o artista conta a trajetória de  João Batista, um homem comum que se descobre descendente de uma mística tradição familiar, encontrando-se com seres folclóricos, criando narrativas paralelas, até se transformar finalmente em um Curupira, encontrando sua essência ou talvez a soma de suas experiências.