sexta-feira, 8 de março de 2013

Os Ensimesmados de Flávio Cerqueira

Decidi abrir o Ano 2 de meu blog (ainda que um tanto tardiamente) com o texto que escrevi para a abertura da primeira individual do expoente da arte contemporânea brasileira, Flávio Cerqueira. Que está acontecendo na Casa Triângulo, e segue até 23 de março de 2013.



ENSIMESMADOS

Nesta sua primeira individual em uma galeria de São Paulo, Flávio Cerqueira expõe o desenvolvimento de sua obra ao passo que seus personagens tomam consciência de um vasto horizonte, que se agiganta bem diante de seus olhos, incitando-os a extrapolar a concha que outrora os prendia em um universo restrito e experimentar tudo aquilo que antes lhes parecia impossível. Cerqueira nos convida a acompanhar esta busca por algo mais – empreitada comum a todos nós – e se, ao longo do percurso, nos esquecermos por um instante da pretensa segurança emprestada pelo chão em que firmamos os pés, e nos permitindo voltar à infância arriscarmos uma olhada para o céu, erguendo nossa vista, teremos uma grata surpresa.

O artista povoa o espaço expositivo com entes que adotam posturas reflexivas, cuja grandiosidade não se traduz em monumentalidade, mas em obras que podem ser apreendidas sem um distanciamento necessário, sugerindo certa intimidade. A forma tradicional da escultura figurativa é o meio escolhido pelo artista para tratar de temas recorrentes na contemporaneidade, como a solidão, frustrações, expectativas e esperança. A rudeza do bronze é dissimulada pela delicada pintura branca que Flavio confere às suas primeiras obras, uma falsa fragilidade condizente com o estado de espírito que delas emana. Na sequência, o artista deixa cair gradualmente este véu de porcelana injetando força em suas figuras, livrando-as paulatinamente do exílio, trazendo para o convívio elementos do mundo exterior, como uma escada ou galhos.

Inicialmente, suas figuras se encontram em situações de total introspecção, conseguindo, contudo, dialogar com o público, gerando de imediato uma sensação de reconhecimento, de cumplicidade. E aquilo que se inicia como uma expressão autobiográfica, mapeando um universo de sentimentos enraizados e conflitantes, adquire uma dimensão coletiva.

Ao travarmos contato com suas esculturas não é difícil apreciarmos algo que se manifesta além da beleza óbvia. Um ar de nostalgia nos arrebata ao mesmo tempo em que cada um daqueles seres ensimesmados nos incita a questionar o que estariam sentindo e o que se passa em suas mentes.