Este
final de semana foi bastante proveitoso apesar de eu ter gasto, ao
todo, mais de duas horas em filas. Das quais mais de uma e meia para
entrar na exposição "Impressionismo - Paris e a Modernidade", no CCBB. Os outros quarenta
minutos foram dedicados à espera de uma vaga na “Caravaggio e seus
seguidores” em cartaz no MASP.
Pretendo
Compartilhar minhas impressões com relação a ambas as exposições.
Sendo que neste post vou me ater àquela com a qual o MASP nos
presenteou. É verdade que um conjunto de seis obras pode parecer
pouco, mas representa quase 10% do que hoje o mundo conhece da obra
do artista. E apesar de nos dar aquele gosto de quero mais, é
preciso aceitar que conhecer de perto uma ou duas obras do mestre já
seria suficientemente satisfatório.
Sou um
tanto suspeito para falar de Caravaggio, já que é comum o fã
perder muito de seu senso crítico, mas arriscarei ainda assim, posto
que de forma alguma fui o primeiro a considerá-lo um dos maiores
mestres de todos os tempos.
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São Jerônimo que escreve. 1605-6 |
Não
vou tentar descrever a sensação que experimentei ao entrar na
primeira sala quando com uma leve rotação do pescoço me deparei
com o magistral “São Jerônimo que escreve” com aquele
manto vermelho saltando das trevas e envolvendo um iluminado São
Jerônimo, que nos convence de sua concentração tanto pelo cenho
quanto pela mão que segura o livro. Poderia falar das minúcias da
tela de mais de 1,50m de largura, de cada detalhe representado pelo
artista, como o desfiado do manto sob o braço direito do santo, a
precisão anatômica, a maestria da pincelada ou o total domínio do
claro-escuro, mas a sensação de me deparar com tudo isso de uma vez
é, simplesmente, indescritível.
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Medusa Murtola. 1597 |
Caravaggio
subiu ao Olimpo das Artes. Qualquer estudo básico da História da
arte acaba despendendo um tempo significante para apresentar o
artista. Mas apesar de já assim tão sedimentado e digerido, o
trabalho de Caravaggio não passa a nossos olhos como uma bela
pintura, pacificada pelo costume, e sim como um golpe que nos obriga
ao contraste. É bela, porém feia; Um prazer, porém soturno; É
treva mas também é luz. Sua obra não vem nos contar algo, ela
grita! Obriga-nos a olhá-la e nos petrifica, tal qual a cabeça da
Meduza. Uma das obras mais incríveis que tive o prazer de
experimentar.
Os
quadro deste mestre barroco dispensa explicações. Não há Wölfflin
que destrinche sua estrutura formal ou Argan que analise o poder de
persuasão de sua imagem, pois a intenção do artista, sua
experiência de vida, o drama da cena, tudo explode na superfície da
tela e fulmina o observador, atravessando retina e espírito. Antes
que se dê conta ele foi atingido e enquanto, ofegante, se recupera
do baque processa as informações e intensifica sua relação com a
obra.
Estes
objetos são indiscutivelmente tidos como obras de arte, mundialmente
conhecidos e apreciados, mas por quê? Thomas Mann, em seu livro
Morte em Veneza, com complexa simplicidade esclarece: “As pessoas
não sabem por que elas tornam famosas uma obra de arte. Sem o menor
conhecimento de causa, julgam descobrir centenas de méritos para
justificar tamanho apreço; mas o verdadeiro fundamento de seu
aplauso é algo imponderável, é simpatia.”
Simpatia,
bem entendido, não é um mero gostar casual, mas um deixar-se
seduzir sem perceber, devido à força de atração que o objeto
sedutor emana. Quem simpatiza se sente à vontade, se interessa,
busca um maior contato. A simpatia inicial pode se tornar amizade
verdadeira, pode se transfigurar em amor.
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São João Batista alimentando o cordeiro. 1605-10 |
Ao nos
depararmos com seu “São João Batista alimentando o cordeiro”,
antes de analisar o quadro e interpretar a cena, nós simpatizamos
com ele, captamos tristeza, solidão, melancolia, elementos que
transcendem a mera ilustração e que permitem uma relação íntima
entre público e obra.
Conhecer
o quão conturbada e intensa foi a breve vida do artista, entender as
propostas do barroco e sua contextualização contra-reformista, bem
como reconhecer as passagens bíblicas captadas em muitas das telas
deste “gênio da pintura” pode ser ideal para que se frua as
obras em sua completude. Mas o que as transformam em obras-primas,
criações de um verdadeiro artista, é poder dispensar tudo isso.
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São Francisco em Meditação. 1606 |
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São januário degolado ou Santo Agapito. c.1610 |
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Retrato do cardeal (Benedetto Giustiniani?). 1599-1600 |