Meu filho Heitor curtiu a obra da alemã Katja Strunz! |
Tenho lido bastante sobre arte contemporânea, buscando
cada vez mais referências, acreditando estar me aproximando de um entendimento verdadeiro
acerca do assunto. E pelo que posso entender, um excelente ponto de partida
(que sugiro a todos) para um convívio adequado com as obras que compõem nosso cenário
artístico é abrirmos mão da ideia de arte que vigorou desde o Renascimento até o último suspiro do Modernismo
e da qual, de forma geral, sentimos dificuldade de nos desvencilhar, a saber,
aquela noção desenvolvimentista que aponta um tipo de arte como melhor que o
seu predecessor, ou ainda, como a Arte
Definitiva. Uma ideia que traz em seu cerne um louvor ao apuro técnico, à
originalidade do artista, à obra de arte única e, finalmente, à autonomia da
arte, apoiando-se normalmente no binômio pintura-escultura.
Toda esta teoria em absorção me leva a compreender
que, passada a era dos manifestos, não faz sentido esperarmos uma definição
rígida e excludente para a arte. Uma vez que não há por que proclamar determinado
modo como o modo certo de se fazer arte, toda e qualquer experiência pode reivindicar
para si o status de arte. Como insiste Arthur Danto, a Pop Art trouxe à tona a
autoconsciência filosófica da arte, que não mais precisava sair a busca de
definições – o que foi ratificado pelos artistas conceituais como Joseph
Kosuth, que assumiam cada nova obra de arte como uma definição em si –
garantindo assim uma liberdade sem precedentes que implicou na multiplicidade
de práticas artísticas não excludentes entre si. Uma bela pintura à óleo pode
conviver com vídeos e readymades sem o menor constrangimento.
Aprendi com Leo Steinberg que em face de novas formas
de arte devemos adotar novos critérios de apreciação. Inúmeros autores afirmam
que a estética não está mais no centro da prática artística. Hans Belting e
Arthur Danto enxergam que estamos em um momento que a arte se desvinculou da
história, não precisando mais se apegar ao que o último chama de narrativa
mestra. Já li que a arte não tem necessariamente que ser expressiva, educativa,
política, subjetiva, contemplativa, provocadora ou o que quer que seja. Mas, ao
mesmo tempo, pode ser tudo isso. Mais do que nunca a assertiva de Jorge Coli de
que “dizer o que seja arte é coisa difícil”, parece a melhor definição
possível. Em síntese, devemos esperar tudo quando vamos a uma mostra de arte
contemporânea.
Contudo, nenhuma teoria foi capaz de me preparar, de
fato para a prática. A 30ª Bienal de Arte de SP trouxe o que a meu ver é a característica
central da prática artística contemporânea, o caráter plural e aparentemente
inesgotável das poéticas.
monumento meio enterrado à deriva continental, de Thiago Rocha Pitta |
Preciso ser sincero, minhas três primeiras visitas –
que me possibilitaram chegar ao primeiro quarto do segundo andar, ainda assim
pulando alguns vídeos para serem visto em uma próxima oportunidade – se
mostraram uma experiência maravilhosamente sofrida. Posso contar pouco mais de
uma dúzia de artistas que despertaram em mim a impressão de estar diante de
obras de arte, seja devido a meu gosto pessoal pelo desenho, como no caso de
Eduardo Stupía, ou pela ironia e sagacidade de uma Ilene Segalove, pelo misto
de deslumbramento, estranhamento e inquietação causado pela obra de Icaro
Zorbar, o impacto causado pelo monumento meio enterrado – amplificado por seu
posicionamento estratégico – de Thiago Rocha Pitta, que nos remete de imediato
a um vislumbre do poder da natureza, ou pela inteligência política e social das
células de Absalon e o caráter instigante das obras Juan Luis Matínez, entre
alguns outros. A maioria das obras ou não me inspiraram o menor desejo de
contato ou se mostraram desinteressantes depois de frustrantes tentativas de
diálogo. E não por eu estar esperando me deparar com cristos crucificados,
girassóis ou damas exaustas do Moulin Rouge. Fui à Bienal livre de preconceitos
e pronto para experimentar o novo.
Algumas obras, independentemente de qualquer teoria,
simplesmente não me inspiraram confiança, principalmente após ler o breve
resumo das ideias do artista afixado na parede. Muitas me pareciam forçadas
mesmo.
Vale ressaltar que esta é apenas a minha primeira
impressão, e que adotei como estratégia de investigação e descobrimentos, fazer
uma sequência de visitações guiadas por um contato desprovido de informações
prévias, contando apenas com o que estiver disponível no próprio espaço expositivo,
para depois fazer uma pesquisa sobre alguns artistas – os que mais chamaram
minha atenção, positiva ou negativamente – e na sequência experimentar algumas
visitas guiadas.
Seja como for, já pude perceber que quer os artistas,
individualmente, tenham alcançado algum êxito artístico ou não, a Bienal
certamente pode se congratular por ter conseguido reunir, em um mesmo espaço,
poéticas tão distintas entre si de modo a formar um todo harmonioso que
justifica, após certa reflexão, o tema da exposição.