Passei
uns dias em Salvador e confesso que demorei um pouco para me acostumar com a
cidade. Fui de ônibus do aeroporto ao Pelourinho – quase 2h entre esperar o
ônibus e chegar ao hostel. Fora o café da manhã meia-boca antes de sair de
casa, a viagem de avião, a canseira e o fato de estar sozinho, me senti
verdadeiramente incomodado com a mendicância institucionalizada que me deu as
boas-vindas. Um sem-número de moradores de rua e vendedores de fitinhas
coloridas me abordaram insistentemente até que eu conseguisse me hospedar. O
mesmo aconteceu quando finalmente, com a barriga nas costas, saí para almoçar e
dar uma volta. Já estava com medo de andar sozinho por entre os becos estreitos
repletos de sorrisos desesperados. Voltei ao hostel decidido a sair só pra
trabalhar (ah! Eu estava viajando a serviço).
Dormi
à tarde, comi um hot-dog à noite, fiquei no quarto, dormi, e no dia seguinte acordei
com o humor bem melhor e, ao que me pareceu, os importunadores estavam de
folga.
Passeei
tranquilo pela cidade e descobri que ela é incrível!
Eu
estava caminhando por entre páginas de um livro de história. Eu quase pude ver
escravos passando por mim, com uma alegria sofrida, uma paz limitada e uma
sensação fugaz de liberdade.
Acabei
gostando da cidade...
Basílica Nossa Senhora da Conceição da Praia |
Então,
bem menos carrancudo, dediquei boa parte de meu pouco tempo a conhecer as
igrejas da cidade: a Catedral Basílica de Salvador, a N. Sª. da Conceição da
Praia, a nada menos do que fantástica Igreja e Convento São Francisco, Ordem
terceira de São Domingos etc. e pude, então, confirmar meu medo por igrejas católicas.
Estas
igrejas me obrigam a um olhar enviesado de baixo pra cima, eu sinto que de
alguma forma, por algum motivo eu estou errado, uma opressão me cai aos ombros
e por pouco não me dobram os joelhos. O eterno lusco fusco do interior
refletido nos ornamentos, as imagens, talvez misericordiosas, perscrutando meus
passos me inspiram temor e culpa.
Consigo,
sinceramente, perceber que a grandiosidade das igrejas reflete a intenção de
seus patrocinadores. Acredito que há séculos elas conseguem a piedade e o temor
dos fiéis (e, em alguns casos, mesmo dos não fiéis).
Catedral Basílica de Salvador |
Observando
o esplendor das igrejas, sua riqueza e magnificência, me pergunto se Deus está
mesmo presente em todo aquele luxo. O poder econômico, político e social que a
Igreja exercia não deixa muito espaço para a religiosidade. O brilho do ouro da
“São Francisco” – que em nada reflete a vida escolhida pelo santo – termina por
ofuscar o brilho espiritual que deveria emanar da casa de Deus.
A
Igreja foi patrocinada pelos poderosos, para ser por eles usada. Os pobres
quando podiam assistir às missas o faziam de pé, quase por detrás do paravento.
Contudo,
a sociedade era extremamente religiosa, e a despeito de todo o contexto social,
os desfavorecidos se espremiam na entrada da nave. Os bastardos, filhos das
mucamas com os senhores, desenvolviam o sincretismo em um canto reservado, ao
lado da nave.
Em
igrejas menos suntuosas, mas igualmente imponentes, o temor a Deus se
materializava e inspirava o amor a Ele. Ao prestar a atenção em todo o esforço
e sofrimento que os verdadeiros fiéis precisaram enfrentar para ter seu quinhão
de contato com Deus passei a valorizar mais a fé destas pessoas. Não importam
os artifícios, não importam as verdades e as mentiras, até hoje milhares de
pessoas conseguem estabelecer uma relação simbiótica com estes lugares e
encontrar paz, conforto e segurança. Ainda que isso possa não ser uma condição
ideal, é difícil vê-la como perniciosa.
Sim,
eu sinto medo ao entrar nas Igrejas, mas cosigo entender, depois de conhecê-las
melhor, que apesar de toda essa inspiração de temor ser de fato intencional, o
que prevalece, escondido nas sombras e refletido no ouro, é o amor.
Igreja São Franisco
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