segunda-feira, 10 de setembro de 2012

Uma Dúvida...


Tenho certa dúvida quanto aos critérios de avaliação de obras de arte em nossa era. Sei bem que não podemos nos iludir e acreditar que os mesmos parâmetros adotados pelos modernistas nos sejam de grande valia, muito menos o estilo vasariano, pois cada qual dava conta de seus respectivos modelos de arte. Nossa arte é caracterizada pela tão comentada multiplicidade. Não há um meio por excelência, não há um estilo definido que se considere o definitivo, ao contrário, de esculturas de mármore à masturbação, passando por galinhas decapitadas e quadros a óleo, tudo realmente pode ser arte.

Mas nem tudo é.

Suponhamos, ao estilo de DANTO (2005), dois artistas imaginários com obras visualmente idênticas, ou ao menos muito parecidas, que estejam ainda em fase de assimilação pelo sistema das artes. Não discutirei aqui a qualidade das obras ou dos nossos pretensos artistas, quero focar os critérios de inserção no sistema.

Os dois apresentam, cada um, uma pedra irregular pouco maior que um punho médio. A primeira não foi “batizada” pelo artista, o que nos obrigará a chamá-la: sem título. À segunda, o seu criador deu o nome de Materialização I. Ambos levam sua obra a galerias, salões, concursos de arte e assim por diante na esperança de ingressarem no mundo das artes, apesar de que, independente do crivo das instituições, os dois têm convicção de que são grandes artistas.

Sem Título trata de uma experiência pessoal de seu idealizador, expressa como seu coração se tornou duro e seco – como pedra – após seguidas desilusões amorosas e traumas familiares, mas que mesmo a partir da aridez de sua vida é possível criar algo transcendente, puro e, estranhamente belo, como ele acredita que deva ser a arte.

Materialização I é uma “clara” alusão ao famoso poema de Carlos Drummond de Andrade, e se propõe a ser, uma referência aos encalços que encontramos no nosso caminho e, ao mesmo tempo, abrir margem para inúmeras interpretações, ao gosto do fruidor, que deve participar da obra com suas experiências pessoais para que esta alcance pleno efeito, e, concomitantemente, é tão somente uma pedra e nada mais, como, ironicamente, afirmou o poeta (e, certamente, seria o que o nosso artista responderia ao ser interpelado a respeito do significado de sua obra).

Por alguma razão, o segundo artista nunca conseguiu o desejado reconhecimento, enquanto o primeiro já está realizando inúmeras coletivas e conseguiu até uma individual em Nova Iorque. Não se sabe se este tem algum laço de amizade com um grande galerista que facilitou sua vida, se os lugares aonde ele levou sua obra contavam com avaliadores mais sensíveis que os locais aonde o outro artista apresentou a dele, ou, ainda, se teve a sorte de conhecer um colecionador que verdadeiramente apreciou sua obra e a comprou por uma quantia que a fez se tornar valiosa, ou ao menos interessante.

São inúmeras as possibilidades que inserem uma obra no meio artístico e expurgam outra. Seja como for, o visitante de uma exposição ao se deparar com uma pedra sob a efígie Sem Título precisará de muito esforço para apreciá-la ou, ao menos, compreendê-la. Precisará conhecer o artista, entender sua linha de pensamento, suas intenções, ou ignorar tudo isso e estar disposto a, a partir do momento que aceitar que está diante de uma obra de arte – já que pedras não ficam em galerias de arte –, proceder a uma interpretação inteiramente subjetiva, mesmo que ao olhar o “coração de pedra”, por um capricho do destino, relacione-o com o poema de Drummond.

Este relato ficcional – mas não improvável – nos remete ao conceito de coeficiente artístico de DUCHAMP, “uma relação aritmética entre o que permanece inexpresso embora intencionado, e o que é expresso não intencionalmente.” (2008: 73), e ao mesmo tempo revela aquilo que me alfineta meu cérebro, aquela dificuldade em compreender os critérios, que parecem correr o risco de serem vagos, arbitrários, injustos, falhos ou facilmente corruptíveis.

Os motivos que levaram sem título a ser considerada uma obra de arte parecem estar para sempre fora do alcance do público e isso gera desconforto, porém, o outro lado da questão me parece ainda mais perverso: Por que Materialização I não é “Arte”?

Será puramente uma questão institucional, será o acaso, a sorte? Acredito que concluir assim seria esvaziar demasiadamente o debate. Prefiro acreditar que exista algum critério que ainda não se fez claro para mim.

O que separa a arte de todo o resto?

É neste limite que surge a minha dúvida. Sigo estudando, visitando, pensando, mas ainda não achei uma resposta. Pode ser que um dia a encontre, ou pode ser que descubra que em nosso contexto esta pergunta sequer é relevante. O fato é que, enquanto não compreender o que realmente acontece, não cessarei de questionar.

10 comentários:

  1. Alex, os critérios (se existem) também não são claros pra mim... não sei se te conforta não estar sozinho ou te desespera...rs...

    Sophia Longo

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    1. Digamos que não desmotiva... rs. Quer dizer que não é uma pergunta sem sentido.
      Valeu Sophie!!

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  2. oia que esse post eh uma armadilha..rsrs ou seria uma "pedra"? a critica de arte se incorporou de uma tal maneira a obra, que o seu exercício de pesquisa se constitui num "fazer" estético importante à construção de uma estrutura de recepção das obras. O que também não pode mais ser visto como elementos separados do público que frui a obra de arte. Assim a arte contemporânea, tão cara a sua análise, parece abarcar uma multiplicidade de valores que anula o posicionamento crítico - está complexidade, volátil, é importante em um momento no qual a arte se insere em um circuito de especulação financeira, pois a transforma em um objeto mais aprazível ao investidor - atribuindo um poder de valorização sem precedentes à obra.

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  3. eu acho que a vertigem da dúvida está te entorpecendo meu ilustre... seria interessante delimitar algum aspecto dessa "arte contemporânea", que é um termo muito amplo. Quem sabe escolhendo um autor de sua preferência, se aproximando de sua linguagem não comece a abrir novas perspectivas de compreensão da recepção da obra de arte hj. Porque nesses termos fica difícil você não esbarrar em outros campos que extrapolam o campo da estética.

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  4. Em poucas palavras: Eu quero, justamente, extrapolar os campos da estética.
    Para a fruição acredito que existam diversos critérios válidos; a pulga atrás da minha orelha sussurra: "institucionalização..."
    O que me incomoda é o alto escalão dar de ombros ou, pior ainda, romantizar a questão sem assumir o romantismo de tal ato.

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  5. Alexander
    Complexa questão... sabemos que devemos ter abertura para as propostas, por outro lado, o sistema impera. Há tanto tempo Jorge Coli colocou em seu livrinho "O que é arte" o tópico "arte para nós" e também o fato que os critérios não são claros e objetos chegam para nós já filtrados e hierarquizados...
    Abertura e desconfiança, é o que precisamos ter, acho. E observar o que não está institucionalizado tb.
    Abraços

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    1. "Abertura e desconfiança", perfeito... parece paradoxal, mas é exatamente como devemos nos comportar. Postura crítica é primordial. Quanto mais difusos os critérios mais críticos precisamos ser. De nada vale concordar com tudo ou achar tudo uma porcaria, não é mesmo?
      Muito obrigado pela participação! Volte sempre!! rs
      Abraço!

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  6. Cara eu gosto muito da definição que Umberto eco assume pra arte, que vai bem na lógica grega também eu acho. POsso ta errado, faz tempo li. Mas arte é a nossa capacidade de produzir algo que é ao mesmo tempo, belo, carregado de significado e que permeia muitas das nossas angustias e anseios. PRa mim arte é aquilo que alguém consegue transmitir, e que é dificil para todos que sentem o mesmo transmitirem. A arte ela atravessa séculos, porque pode ser digerida em qualquer época, pois , para mim também, evoca aquilo de mais comum ao ser humano e ao mesmo tempo, se adapta aos contextos de época. Acho que falei besteira

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    1. CAAAAIO!!!Que surpresa agradável!!!
      Valeu mesmo!
      A questão do belo já é uma questão complexa em si, mas fica tranquilo que aki ninguém fala besteira, não!!
      E, na verdade, a sua definição de arte foi bem bacana!
      Abração!!

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