“Quanto a mim, sinto muito pouca simpatia por esta imagem de
Gérôme, pois não vejo nela o mínimo sinal de inteligência. Mãos que carregam as
marcas do trabalho são mais belas que mãos como as desta imagem.” – Cartas a
Théo, Van Gogh, pg.24
Nesta carta de Van Gogh a seu irmão, datada de 9 de janeiro
de 1878, apreende-se a potência de caráter e franqueza com que este artista
encarava o fazer artístico e sua fruição e aproveito suas palavras para puxar o
assunto pretendido neste post – a verdade como critério de uma moral estética.
Confesso que este é um post difícil para mim, pois este me é um assunto caro.
Por isso as palavras, esses entes delicados como as cores de uma aquarela,
provavelmente adquirirão um aspecto úmido... sem muitas demarcações, mas espero
que o resultado seja do gosto de meus colegas.
Compartilho com meu amigo Santiago certa angústia diante da
falta de critérios que acompanha a atividade artística desde o advento do
modernismo. O que a seu tempo teve o significado de emancipação da arte frente
imperativos um tanto aristocráticos, porém, agora já enfastia e torna a visita
ao museu uma experiência que contraria, pois sabemos que as artes plásticas
geralmente querem nos suspender – como os filósofos - elas nunca concordam com
a gente! Quem gosta de arte esta com “a pulga atrás da orelha”, e
frequentemente nos perguntamos: será que isso é arte!? Acredito que a verdade
seja um critério já vislumbrado pelos modernos para se determinar uma boa obra,
além disso, penso que a verdade seja um bom critério de vida – amar é tocar a
verdade.
Agora, o que é a verdade? Assim pergunta Pôncio Pilatos, a
figura do homem prático - o governador romano, à Jesus em seu julgamento. Essa
é a pergunta que as pessoas práticas fazem aos artistas, o que você ganha com
isso? Ser pintor dá dinheiro? Essas pessoas são as que pagam milhões por um Van
Gogh e o deixa guardadinho no cofre da família, acreditam que podemos viver uma
barganha com Deus e que traição é algo natural – afinal, até os animais traem.
Jesus não responde a pergunta e também não apresenta defesa, guarda silêncio, o
que me lembra a imagem evocada por Nietzsche no “Nascimento da Tragédia” do rei
Midas perseguindo Sileno, companheiro de Dioniso. Midas o alcança, o agarra e
pergunta ao sátiro o que o homem deveria estimar acima de tudo, o demônio cai
na gargalhada e deixa escapar estas palavras: “Raça efêmera e miserável, filho
do acaso e do cansaço, por que me forças a te revelar o que seria melhor para
que não o possas jamais entender? Jesus não gargalha, tem compaixão do homem...
mas os cristãos esquecem que a divindade não é algo doce, soft. Isso, Van Gogh
percebe ao contemplar os calos dos camponeses, os milhares de homens que
rastejavam nas minas do Borinage sem ver a luz do sol, a beleza de suas
obras surge deste relacionamento franco entre o homem e a natureza, contato que
não podemos travar sem nos expor, a verdade são as marcas.
“A partir do momento em que nos esforcemos em viver
sinceramente, tudo irá bem, mesmo que tenhamos que inevitavelmente que passar
por aflições sinceras e verdadeiras desilusões; cometeremos provavelmente
também pesados erros e cumpriremos más ações, mas é verdade que é preferível
ter espírito ardente, por mais que tenhamos que cometer mais erros, do que ser
mesquinho e demasiado prudente.” Cartas a Théo, pg. 26
Por que falar a verdade às pessoas que amamos? Por que não
enganá-las? Porque ser sincero implica em ser integro e acredito que
integridade é potência, tanto para os indivíduos quanto para os
relacionamentos. Quando somos sinceros reconhecemos nosso caráter e alcançamos
uma visão mais ampla de nosso ser, que abarca tanto virtudes como defeitos; não
somos perfeitos, mas podemos ser íntegros. A partir daí, a expressão de nossos
modos se aproximam do que de fato somos e isso é fundamental para que
consigamos atrair e encontrar pessoas que nos são próximas, posso dizer que as
chances de ser feliz em um relacionamento aumentam na proporção inversa de seus
encontros..rs
Arte e verdade se encontram na força da expressividade, que
nunca será harmônica com o engodo da técnica vazia. Nunca saímos intactos de um
contato com uma verdadeira obra de arte, da mesma forma que certas pessoas
nunca saem de nossa memória, mas uma fruição desta ordem solicita um preço
alto, basta olhar o que aconteceu a nosso perturbado pintor holandês. Para
encerrar, deixo-lhes esta citação final:
“É bom amar tanto quanto
possamos, pois nisto consiste a verdadeira força, e aquele que ama muito
realiza grandes coisas e é capaz, e o que se faz por amor está bem feito”
Cartas a Théo, pg 27.
Este post foi produzido em homenagem ao Blog de meu amigo San - Um pouco de arte.
Este post foi produzido em homenagem ao Blog de meu amigo San - Um pouco de arte.
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