quarta-feira, 18 de abril de 2012

Como assim o que é arte!?


Um amigo me mostrou a chamada para um ciclo de palestras sobre história em quadrinhos pelo MuBA, e um dos temas me chamou a atenção: Ainda há preconceito contra os Quadrinhos?.
Confesso que minha primeira reação foi de desdém: HQ é entretenimento. Pra quê perder tempo com um debate desses. Algumas horas mais tarde (demorou pra cair a ficha), me assustei com tamanha afetação acadêmica vinda da minha parte. Logo eu, que sempre gostei tanto de quadrinhos, que usei como tema do trabalho de conclusão do curso de desenho da Escola de Sargentos Especialistas da Aeronáutica a história das HQs. Eu, que sempre considerei ridícula a afetação acadêmica! Parece que eu respondi a pergunta tema da palestra com um estrondoso SIM!
Bateu uma forte vontade de ir à palestra, mas faltou oportunidade. Outros compromissos me impediram, mas consegui ir à exposição, intitulada Quadrinhos’51. E gostei tanto que mais cedo ou mais tarde vou escrever um post dedicado exclusivamente aos quadrinhos.
Por hora, tendo encontrado uma resposta que me satisfez, procurei formular outra pergunta: a despeito de todo o preconceito, HQ é uma forma de arte?
A esta pergunta não darei uma resposta simplista, mesmo por que ela me levou a outra, ainda mais importante: Faz sentido perguntar se algo é arte tomando como referência o meio com o qual é produzido?
Soa bem familiar com aquela antiga dúvida acerca das qualidades artísticas da fotografia. E, sinceramente, acho que já passamos desta fase, afinal, mesmo merda enlatada conseguiu exalar muito mais que fedor.
Piero Manzoni - Merda de Artista
Latas com as fezes do artista, vendidas pelo preço do seu peso em ouro
Não quero me prender, unicamente, à fantástica e maravilhosa intenção do artista, mas tentar encarar de forma mais prática a inserção ou não das nossas “revistinhas” no mundo da arte, como desculpa para fazer vários questionamentos, como o inefável, contudo, insistente, o que é arte, e o mais interessante pensamento que me veio: pra quê alcançar o status de arte!?
Vamos lá! Permitam-me compartilhar as dúvidas que assolam minha mente, pois vou pensar enquanto escrevo.
Ser entretenimento exclui a possibilidade de ser arte? E ser um produto de mercado, vendável e rentável? É preciso ser uma obra-prima, algo maravilhoso, encantador/estarrecedor para ser arte? Será que algo pode ser ruim, malfeito, e continuar sendo arte? Poderia o objetivo real de uma produção ter fim alheio à arte e, ainda assim, o produto se tornar uma obra de arte? Será que basta o reconhecimento e o consenso, como diria Anne Cauquelin – e é por isso que se busca tanto alcançá-los?
Além de HQs, quadros, esculturas, objetos diversos, música, contos, romances, poemas, cinema, ilustração, moda, propaganda, design gráfico, caricatura, cartoon, grafite, fotografia, manifestos, ações e mesmo inações, a meu ver, podem configurar arte, assim como podem gerar banalizações.

Ambas do quadrinista Alex Ross
Apesar de ser partidário da idéia de arte como algo transcendental, que escape a nossa realidade, mesmo quando misturada a ela, sei que essa não é a sua característica dominante.
PAZ entende que o desenho industrial difere da arte por seus objetivos e sua relação com a beleza. Naquele a beleza é um acessório intimamente atrelado à utilidade e seu objetivo é funcional, findada a sua utilidade seu destino é a lixeira e não a eternidade como no caso da arte.
Já WARHOL quis saber: “Por que as pessoas acham que artistas são especiais? É só um trabalho como outro qualquer.”
Se partirmos do princípio da funcionalidade, acredito que possuir finalidade distinta da estética não é o suficiente para desqualificar um produto como arte, haja vista que a maior parte dos objetos expostos em nossos museus, desde as garatujas rupestres até um automóvel construído com carrinhos de brinquedo, apresentam uma finalidade que não a estética. Independente de terem sido pensados como arte ou recebido tal status a posteriori.
Além dos objetos artesanais, que tinham fins ritualísticos ou práticos como matar a sede, incluídos em nosso hall da fama pelo olhar interessado e curioso do “estrangeiro”, podemos citar retratos e mais retratos, cuja finalidade precípua era, simplismente, a de retratar. O retrato bem feito é em si uma arte, mas não deixa de possuir um fim estranho à arte, o de promover a imagem de alguém. Mesmo o auto-retrato, que é uma forma prática de o artista exercitar seu ofício, esteve por muito tempo imbuído da vontade deste de se igualar à pessoa de prestígio que comumente lhe encomendava retratos, como aponta TEIXEIRA COELHO no texto de apresentação da exposição “OLHAR E SER VISTO - RETRATOS E AUTO-RETRATOS”.
Jacques-Louis David - O Juramento dos Horácios, 1784

Seja para derrubar governos e ideais, ou para sustentá-los, para catequizar, fazer críticas, apologias ou propagandas, a arte sempre esteve ligada a uma finalidade sem que isso contrastasse com seu caráter artístico. Quero dizer que uma obra pode ser maravilhosa, uma verdadeira obra-prima que leva aquele que com ela estabelece contato ao êxtase ou a um estado de inquietação que só a arte consegue levar, ao mesmo tempo em que reflete e propagandeia um ideal político ufanista, por exemplo, ou seja, que possui um fim prático utilitário.
Para que esta relação fique mais evidente, visto que a propaganda política pode ser interpretada como uma manifestação sincera do autor mesmo quando encomendada, vamos pensar em um cartaz de exibição de espetáculos como vemos por aí. Certamente, a maioria de arte não possui nada, mas um cartaz bem feito, com uma interpretação interessante do que deve apresentar, que fuja da mesmice, usando-se técnicas digitais ou o bom e velho óleo pode muito bem configurar um exemplo do que eu quero dizer.

Cartaz de Henri de Toulouse-Lautrec, 1895
Alberto Breccia - Página da adaptação para 
os quadrinhos do conto "O  coração delator",
 de Edgard Allan Poe
Mas ser bem feito, provavelmente não garante sua condição de arte... deve existir algo mais. Por que algumas ilustrações são arte e outras, tão boas quanto, não? Por que alguns quadros são arte e outros não? O que dizer então de uma sequência narrativa de quadros ?

 Por que separar a arte de Aya Takano de sua atividade comercial, como se a ate não fosse ela própria uma atividade comercial. Qual a diferença entre os seus quadros e seus Mangás?
Existem obras em galerias com o formato de HQs. Será que ao participar de uma exposição em vez de um Zine elas são banhadas pelo espírito santo da arte? O que confere o A maiúsculo a uma obra de arte pode ser sua inserção no circuito, sua “institucionalização Lato Sensu”, ou seja, ser conhecida e reconhecida, não necessitando estar confinada em um órgão físico, tal qual um museu, mas possuir o aval das autoridades competentes, mesmo que permaneça nas ruas, por exemplo.
Meu ponto é que, atualmente, o debate sobre se algo é ou não arte carece de sentido, pois não conseguimos divisar os limites da arte. Sei bem que os critérios para a crítica de arte sempre são outros com o passar dos tempos. Mais quais? E o que importa isso no momento da fruição? Somos autorizados a fruir apenas o que está carimbado? Masturbação! Duchamp estava certo, essa ideia da Arte, com esse imenso A, não passa de masturbação.
Aya Takano - Earth, 2004

Bansky - Siga seus sonhos

O que quer que seja arte, o será, em primeiro lugar, para o seu criador. De todos os critérios inaferíveis que possam existir, elejo a sinceridade artística o mais importante. Isto independe do meio, independe de ser comercializável (é lógico), independe de ser feito em massa.
Não se faz arte para os outros, faz-se para si. Mesmo quando mediante encomenda, aquele ponto que caracteriza um produto como artístico transcende o objetivo. Quem pediu para que retratassem a Gioconda, não estipulou: Por favor, quero uma obra-prima, uma que conquiste a fama eterna. Que fascine por séculos e nunca perca sua aura de mistério.
Ora, quantas capelas existem e quantas são a Sistina?
 Ana Maria Dias  - Hoje a festa é na vovó

3 comentários:

  1. Talento com as palavras heim amigo!

    Estou gostando cada dia mais de passar aqui e ler suas coisas.

    Abração

    Flávio

    ResponderExcluir
  2. meu ilustre! aiuhaiuah acabei de perder o comentário..kkk vou escrever de novo - Tenho acompanhado sua via crucis em busca de algo que renove nossos conceitos a respeito do que é bom em arte e de determinar critérios que satisfaçam nossa indignação com certas coisas que se dizem arte, mas são mero oportunismo. Creio que a arte antecipou algo: a dissolução do sujeito moderno. Tipo quando uma grande onda alcança seu cume e seu próprio peso a revolta e a põe em movimento - pense todo aqule ímpeto racionalista retornando sobre o inconsciente, destruindo tudo que havia sido edificado nos sec XVI, XVII, XVIII. Pensando a arte como expressão, ela definitivamente não iria permacer incólume às últimas revoluções que passamos..contemplo a arte hoje como uma breve calmaria, horizontal, sem limites... apenas esperando a próxima onda.
    obs: eu naum tinha escrito tudo isso..rsrsrs ainda bem!
    valew!!!

    ResponderExcluir
  3. Aí, sim, hein Yasumura...
    Gostei do comentário e o agradeço efusivamente!! rs
    Concordo com vc.
    Acho que estamos vivenciando algo como uma entressafra...

    ResponderExcluir