Um
amigo me mostrou a chamada para um ciclo de palestras sobre história em
quadrinhos pelo MuBA, e um dos temas me chamou a atenção: Ainda há preconceito contra os Quadrinhos?.
Confesso
que minha primeira reação foi de desdém: HQ é entretenimento. Pra quê perder
tempo com um debate desses. Algumas horas mais tarde (demorou pra cair a
ficha), me assustei com tamanha afetação acadêmica vinda da minha parte. Logo
eu, que sempre gostei tanto de quadrinhos, que usei como tema do trabalho de
conclusão do curso de desenho da Escola de Sargentos Especialistas da
Aeronáutica a história das HQs. Eu, que sempre considerei ridícula a afetação
acadêmica! Parece que eu respondi a pergunta tema da palestra com um estrondoso
SIM!
Bateu
uma forte vontade de ir à palestra, mas faltou oportunidade. Outros
compromissos me impediram, mas consegui ir à exposição, intitulada Quadrinhos’51. E gostei tanto que mais cedo ou mais tarde vou escrever um post dedicado
exclusivamente aos quadrinhos.
Por
hora, tendo encontrado uma resposta que me satisfez, procurei formular outra
pergunta: a despeito de todo o preconceito, HQ é uma forma de arte?
A
esta pergunta não darei uma resposta simplista, mesmo por que ela me levou a
outra, ainda mais importante: Faz sentido perguntar se algo é arte tomando como
referência o meio com o qual é produzido?
Soa
bem familiar com aquela antiga dúvida acerca das qualidades artísticas da
fotografia. E, sinceramente, acho que já passamos desta fase, afinal, mesmo
merda enlatada conseguiu exalar muito mais que fedor.
Piero Manzoni - Merda de Artista
Latas com as fezes do artista, vendidas pelo preço do seu peso em ouro
|
Não
quero me prender, unicamente, à fantástica e maravilhosa intenção do artista,
mas tentar encarar de forma mais prática a inserção ou não das nossas
“revistinhas” no mundo da arte, como desculpa para fazer vários questionamentos,
como o inefável, contudo, insistente, o que é arte, e o mais interessante
pensamento que me veio: pra quê alcançar o status de arte!?
Vamos
lá! Permitam-me compartilhar as dúvidas que assolam minha mente, pois vou
pensar enquanto escrevo.
Ser
entretenimento exclui a possibilidade de ser arte? E ser um produto de mercado,
vendável e rentável? É preciso ser uma obra-prima, algo maravilhoso,
encantador/estarrecedor para ser arte? Será que algo pode ser ruim, malfeito, e
continuar sendo arte? Poderia o objetivo real de uma produção ter fim alheio à
arte e, ainda assim, o produto se tornar uma obra de arte? Será que basta o
reconhecimento e o consenso, como diria Anne Cauquelin – e é por isso que se
busca tanto alcançá-los?
Além
de HQs, quadros, esculturas, objetos diversos, música, contos, romances,
poemas, cinema, ilustração, moda, propaganda, design gráfico, caricatura,
cartoon, grafite, fotografia, manifestos, ações e mesmo inações, a meu ver,
podem configurar arte, assim como podem gerar banalizações.
Ambas do quadrinista Alex Ross |
PAZ
entende que o desenho industrial difere da arte por seus objetivos e sua
relação com a beleza. Naquele a beleza é um acessório intimamente atrelado à
utilidade e seu objetivo é funcional, findada a sua utilidade seu destino é a
lixeira e não a eternidade como no caso da arte.
Já
WARHOL quis saber: “Por que as pessoas acham que artistas são especiais? É só
um trabalho como outro qualquer.”
Se
partirmos do princípio da funcionalidade, acredito que possuir finalidade
distinta da estética não é o suficiente para desqualificar um produto como
arte, haja vista que a maior parte dos objetos expostos em nossos museus, desde
as garatujas rupestres até um automóvel construído com carrinhos de brinquedo,
apresentam uma finalidade que não a estética. Independente de terem sido
pensados como arte ou recebido tal status a posteriori.
Além
dos objetos artesanais, que tinham fins ritualísticos ou práticos como matar a
sede, incluídos em nosso hall da fama pelo olhar interessado e curioso do
“estrangeiro”, podemos citar retratos e mais retratos, cuja finalidade precípua
era, simplismente, a de retratar. O retrato bem feito é em si uma arte, mas não
deixa de possuir um fim estranho à arte, o de promover a imagem de alguém.
Mesmo o auto-retrato, que é uma forma prática de o artista exercitar seu
ofício, esteve por muito tempo imbuído da vontade deste de se igualar à pessoa
de prestígio que comumente lhe encomendava retratos, como aponta TEIXEIRA
COELHO no texto de apresentação da exposição “OLHAR
E SER VISTO - RETRATOS E AUTO-RETRATOS”.
Jacques-Louis David - O Juramento dos Horácios, 1784 |
Seja para derrubar governos e ideais, ou para sustentá-los, para catequizar, fazer críticas, apologias ou propagandas, a arte sempre esteve ligada a uma finalidade sem que isso contrastasse com seu caráter artístico. Quero dizer que uma obra pode ser maravilhosa, uma verdadeira obra-prima que leva aquele que com ela estabelece contato ao êxtase ou a um estado de inquietação que só a arte consegue levar, ao mesmo tempo em que reflete e propagandeia um ideal político ufanista, por exemplo, ou seja, que possui um fim prático utilitário.
Para
que esta relação fique mais evidente, visto que a propaganda política pode ser
interpretada como uma manifestação sincera do autor mesmo quando encomendada,
vamos pensar em um cartaz de exibição de espetáculos como vemos por aí.
Certamente, a maioria de arte não possui nada, mas um cartaz bem feito, com uma
interpretação interessante do que deve apresentar, que fuja da mesmice, usando-se
técnicas digitais ou o bom e velho óleo pode muito bem configurar um exemplo do
que eu quero dizer.
Cartaz de Henri de Toulouse-Lautrec, 1895 |
Alberto Breccia - Página da adaptação para
os quadrinhos do conto "O coração delator",
de Edgard Allan Poe
|
Por que separar a arte de Aya Takano de sua atividade comercial, como se a ate não fosse ela própria uma atividade comercial. Qual a diferença entre os seus quadros e seus Mangás?
Existem obras em galerias com o formato de HQs. Será que ao participar de uma exposição em vez de um Zine elas são banhadas pelo espírito santo da arte? O que confere o A maiúsculo a uma obra de arte pode ser sua inserção no circuito, sua “institucionalização Lato Sensu”, ou seja, ser conhecida e reconhecida, não necessitando estar confinada em um órgão físico, tal qual um museu, mas possuir o aval das autoridades competentes, mesmo que permaneça nas ruas, por exemplo.
Meu
ponto é que, atualmente, o debate sobre se algo é ou não arte carece de
sentido, pois não conseguimos divisar os limites da arte. Sei bem que os
critérios para a crítica de arte sempre são outros com o passar dos tempos.
Mais quais? E o que importa isso no momento da fruição? Somos autorizados a
fruir apenas o que está carimbado? Masturbação! Duchamp estava certo, essa
ideia da Arte, com esse imenso A, não passa de masturbação.
O que quer que seja arte, o será, em primeiro lugar, para o seu criador. De todos os critérios inaferíveis que possam existir, elejo a sinceridade artística o mais importante. Isto independe do meio, independe de ser comercializável (é lógico), independe de ser feito em massa.
Aya Takano - Earth, 2004 |
Bansky - Siga seus sonhos |
O que quer que seja arte, o será, em primeiro lugar, para o seu criador. De todos os critérios inaferíveis que possam existir, elejo a sinceridade artística o mais importante. Isto independe do meio, independe de ser comercializável (é lógico), independe de ser feito em massa.
Não
se faz arte para os outros, faz-se para si. Mesmo quando mediante encomenda,
aquele ponto que caracteriza um produto como artístico transcende o objetivo.
Quem pediu para que retratassem a Gioconda, não estipulou: Por favor, quero uma
obra-prima, uma que conquiste a fama eterna. Que fascine por séculos e nunca
perca sua aura de mistério.
Talento com as palavras heim amigo!
ResponderExcluirEstou gostando cada dia mais de passar aqui e ler suas coisas.
Abração
Flávio
meu ilustre! aiuhaiuah acabei de perder o comentário..kkk vou escrever de novo - Tenho acompanhado sua via crucis em busca de algo que renove nossos conceitos a respeito do que é bom em arte e de determinar critérios que satisfaçam nossa indignação com certas coisas que se dizem arte, mas são mero oportunismo. Creio que a arte antecipou algo: a dissolução do sujeito moderno. Tipo quando uma grande onda alcança seu cume e seu próprio peso a revolta e a põe em movimento - pense todo aqule ímpeto racionalista retornando sobre o inconsciente, destruindo tudo que havia sido edificado nos sec XVI, XVII, XVIII. Pensando a arte como expressão, ela definitivamente não iria permacer incólume às últimas revoluções que passamos..contemplo a arte hoje como uma breve calmaria, horizontal, sem limites... apenas esperando a próxima onda.
ResponderExcluirobs: eu naum tinha escrito tudo isso..rsrsrs ainda bem!
valew!!!
Aí, sim, hein Yasumura...
ResponderExcluirGostei do comentário e o agradeço efusivamente!! rs
Concordo com vc.
Acho que estamos vivenciando algo como uma entressafra...