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quinta-feira, 12 de julho de 2012

JASPER JOHNS: além do que se vê


Mapa, 1961
Visitei neste domingo a exposição Jasper Johns: pares trios álbuns em cartaz no Tomie Otake, e o primeiro sentimento que a mostra despertou em mim foi uma espécie de inveja: Como eu gostaria de ser assim tão relevante pra alguma coisa!!
Números coloridos, 1953
Johns é um daqueles artistas necessários. Desde cedo, já em 1958, na sua primeira individual, suas obras se afirmaram como um paradigma, que ajudaria a redefinir o conceito de arte. Alcunhado de neo-dadá por alguns críticos, seu trabalho, por si só, mostra que isso é um reducionismo absurdo. O dadá se caracteriza por uma absoluta negação dos valores da sociedade vigente, sem qualquer proposta de renovação. É a afirmação do non-sense. Em Jasper Johns sentido é o que não falta. Ele não nega simplesmente, mas questiona, propõe e expande.
Os preceitos e as qualidades visuais do Expressionismo Abstrato – movimento em voga no início de sua carreira – não são descartados, e sim aproveitados na medida do interesse do artista, que os manipula e destila, retirando o que julgava ser um excesso de subjetividade e inserindo uma inesperada e, de certa forma, estranha objetividade. No lugar do turbilhão de emoções do artista, objetos ordinários. Ele afasta a obra de seu criador e a aproxima de seu receptor, não sem exigir deste um esforço naturalmente exigido por qualquer grande obra de arte.
Sublinho um possível estranhamento em sua obra visto que os objetos apresentados e facilmente reconhecíveis operam no plano inteligível uma transfiguração. Suas séries de alvos e bandeiras exemplificam isto de forma perfeita. A bandeira dos EUA constitui-se de um pedaço retangular de tecido sobre o qual é aplicada tinta em forma de listras, um quadrado e estrelas, assim, as “Bandeiras” de Johns podem ser encaradas como bandeiras presas a um chassi. Ou podem ser simplesmente compreendidas como pinturas abstratas geométricas. Ou algo novo que de fato não conhecemos.
Bandeira, 1954-55
A respeito disso o próprio artista diz:
Há duas maneiras de interpretar os meus quadros da bandeira americana. A primeira é: 'Ele pintou uma bandeira de forma a que não a vejamos como uma bandeira, mas sim como um quadro.' A segunda é: 'A maneira como ele pintou a bandeira faz com que não possamos vê-la nem como uma bandeira nem como um quadro.'”
Na verdade, os objetos banais não são seu tema, são o meio. Seu tema, creio eu, é a própria percepção. Suas obras são um convite à reflexão e à fruiçao estética. Johns não aponta a direção ele apenas sai do caminho e dá passagem, seguir em frente é problema nosso.
***
Armadilha II, 1973
O Instituto Tomie Otake não está apresentando os quadros e esculturas de Jasper Johns, propôs abordar sua produção gráfica, pois como aponta o texto de abertura “... Johns é um artista que não se limita a encarar a gravura como um meio secundário, subsidiário em relação ao que acontece no campo privilegiado da pintura.” E, além disso, suas gravuras e serigrafias nos revelam, melhor que seus quadros e esculturas, seu processo criativo e os fundamentos teóricos que o motivam.
A reprodutibilidade inerente às gravuras possibilita uma vasta gama de experiências e resultados que estão em consonância com a idéia de Johns de que a melhor crítica a uma imagem é outra imagem. O que fica evidente ao observar a sucessão de impressões de uma mesma matriz com tratamentos ou posicionamentos diferentes. A mesma imagem sendo revista e transformada.
De todas as séries apresentadas a que mais me instigou foi a 0-9, porque um artista não se daria o trabalho de fazer três séries de gravuras tendo aparentemente como tema uma sequência numérica lógica e previsível simplesmente para nos mostrar números. O modo como vou encarar esta obra, citando Steinberg, “testa minha coragem pessoal.” Foi preciso aguçar os sentidos e me preparar para uma experiência nova.
0-9, 1963 
Os números são signos em si mesmo, assim como uma bandeira, é a representação de uma idéia comumente atrelada a ele. O que Johns faz é se valer de símbolos prontos e subvertê-los. A série de números mescla uma impressão tipográfica e inexpressiva de um número com a expressividade gestual de grafismos e a força das cores, o previsível com o inesperado, o superficial e o profundo, enfim, o banal e o filosófico. O que pode ser encarado como a materialização de sua teoria artística. Ele abre mão do ilusionismo em favor do conceitual ao mesmo tempo em que transporta o cotidiano para o mundo da arte, e nos obriga mais uma vez a participar ativamente da obra.
Fica evidente que Johns constrói, não uma ponte, como se costuma afirmar (pois esta passa por cima), mas um túnel que vem de Duchamp, atravessa, violentamente, o Expressionismo Abstrato e desemboca no prelúdio da contemporaneidade, com a Arte Pop, o Minimalismo e a Arte Conceitual.

quarta-feira, 18 de abril de 2012

Como assim o que é arte!?


Um amigo me mostrou a chamada para um ciclo de palestras sobre história em quadrinhos pelo MuBA, e um dos temas me chamou a atenção: Ainda há preconceito contra os Quadrinhos?.
Confesso que minha primeira reação foi de desdém: HQ é entretenimento. Pra quê perder tempo com um debate desses. Algumas horas mais tarde (demorou pra cair a ficha), me assustei com tamanha afetação acadêmica vinda da minha parte. Logo eu, que sempre gostei tanto de quadrinhos, que usei como tema do trabalho de conclusão do curso de desenho da Escola de Sargentos Especialistas da Aeronáutica a história das HQs. Eu, que sempre considerei ridícula a afetação acadêmica! Parece que eu respondi a pergunta tema da palestra com um estrondoso SIM!
Bateu uma forte vontade de ir à palestra, mas faltou oportunidade. Outros compromissos me impediram, mas consegui ir à exposição, intitulada Quadrinhos’51. E gostei tanto que mais cedo ou mais tarde vou escrever um post dedicado exclusivamente aos quadrinhos.
Por hora, tendo encontrado uma resposta que me satisfez, procurei formular outra pergunta: a despeito de todo o preconceito, HQ é uma forma de arte?
A esta pergunta não darei uma resposta simplista, mesmo por que ela me levou a outra, ainda mais importante: Faz sentido perguntar se algo é arte tomando como referência o meio com o qual é produzido?
Soa bem familiar com aquela antiga dúvida acerca das qualidades artísticas da fotografia. E, sinceramente, acho que já passamos desta fase, afinal, mesmo merda enlatada conseguiu exalar muito mais que fedor.
Piero Manzoni - Merda de Artista
Latas com as fezes do artista, vendidas pelo preço do seu peso em ouro
Não quero me prender, unicamente, à fantástica e maravilhosa intenção do artista, mas tentar encarar de forma mais prática a inserção ou não das nossas “revistinhas” no mundo da arte, como desculpa para fazer vários questionamentos, como o inefável, contudo, insistente, o que é arte, e o mais interessante pensamento que me veio: pra quê alcançar o status de arte!?
Vamos lá! Permitam-me compartilhar as dúvidas que assolam minha mente, pois vou pensar enquanto escrevo.
Ser entretenimento exclui a possibilidade de ser arte? E ser um produto de mercado, vendável e rentável? É preciso ser uma obra-prima, algo maravilhoso, encantador/estarrecedor para ser arte? Será que algo pode ser ruim, malfeito, e continuar sendo arte? Poderia o objetivo real de uma produção ter fim alheio à arte e, ainda assim, o produto se tornar uma obra de arte? Será que basta o reconhecimento e o consenso, como diria Anne Cauquelin – e é por isso que se busca tanto alcançá-los?
Além de HQs, quadros, esculturas, objetos diversos, música, contos, romances, poemas, cinema, ilustração, moda, propaganda, design gráfico, caricatura, cartoon, grafite, fotografia, manifestos, ações e mesmo inações, a meu ver, podem configurar arte, assim como podem gerar banalizações.

Ambas do quadrinista Alex Ross
Apesar de ser partidário da idéia de arte como algo transcendental, que escape a nossa realidade, mesmo quando misturada a ela, sei que essa não é a sua característica dominante.
PAZ entende que o desenho industrial difere da arte por seus objetivos e sua relação com a beleza. Naquele a beleza é um acessório intimamente atrelado à utilidade e seu objetivo é funcional, findada a sua utilidade seu destino é a lixeira e não a eternidade como no caso da arte.
Já WARHOL quis saber: “Por que as pessoas acham que artistas são especiais? É só um trabalho como outro qualquer.”
Se partirmos do princípio da funcionalidade, acredito que possuir finalidade distinta da estética não é o suficiente para desqualificar um produto como arte, haja vista que a maior parte dos objetos expostos em nossos museus, desde as garatujas rupestres até um automóvel construído com carrinhos de brinquedo, apresentam uma finalidade que não a estética. Independente de terem sido pensados como arte ou recebido tal status a posteriori.
Além dos objetos artesanais, que tinham fins ritualísticos ou práticos como matar a sede, incluídos em nosso hall da fama pelo olhar interessado e curioso do “estrangeiro”, podemos citar retratos e mais retratos, cuja finalidade precípua era, simplismente, a de retratar. O retrato bem feito é em si uma arte, mas não deixa de possuir um fim estranho à arte, o de promover a imagem de alguém. Mesmo o auto-retrato, que é uma forma prática de o artista exercitar seu ofício, esteve por muito tempo imbuído da vontade deste de se igualar à pessoa de prestígio que comumente lhe encomendava retratos, como aponta TEIXEIRA COELHO no texto de apresentação da exposição “OLHAR E SER VISTO - RETRATOS E AUTO-RETRATOS”.
Jacques-Louis David - O Juramento dos Horácios, 1784

Seja para derrubar governos e ideais, ou para sustentá-los, para catequizar, fazer críticas, apologias ou propagandas, a arte sempre esteve ligada a uma finalidade sem que isso contrastasse com seu caráter artístico. Quero dizer que uma obra pode ser maravilhosa, uma verdadeira obra-prima que leva aquele que com ela estabelece contato ao êxtase ou a um estado de inquietação que só a arte consegue levar, ao mesmo tempo em que reflete e propagandeia um ideal político ufanista, por exemplo, ou seja, que possui um fim prático utilitário.
Para que esta relação fique mais evidente, visto que a propaganda política pode ser interpretada como uma manifestação sincera do autor mesmo quando encomendada, vamos pensar em um cartaz de exibição de espetáculos como vemos por aí. Certamente, a maioria de arte não possui nada, mas um cartaz bem feito, com uma interpretação interessante do que deve apresentar, que fuja da mesmice, usando-se técnicas digitais ou o bom e velho óleo pode muito bem configurar um exemplo do que eu quero dizer.

Cartaz de Henri de Toulouse-Lautrec, 1895
Alberto Breccia - Página da adaptação para 
os quadrinhos do conto "O  coração delator",
 de Edgard Allan Poe
Mas ser bem feito, provavelmente não garante sua condição de arte... deve existir algo mais. Por que algumas ilustrações são arte e outras, tão boas quanto, não? Por que alguns quadros são arte e outros não? O que dizer então de uma sequência narrativa de quadros ?

 Por que separar a arte de Aya Takano de sua atividade comercial, como se a ate não fosse ela própria uma atividade comercial. Qual a diferença entre os seus quadros e seus Mangás?
Existem obras em galerias com o formato de HQs. Será que ao participar de uma exposição em vez de um Zine elas são banhadas pelo espírito santo da arte? O que confere o A maiúsculo a uma obra de arte pode ser sua inserção no circuito, sua “institucionalização Lato Sensu”, ou seja, ser conhecida e reconhecida, não necessitando estar confinada em um órgão físico, tal qual um museu, mas possuir o aval das autoridades competentes, mesmo que permaneça nas ruas, por exemplo.
Meu ponto é que, atualmente, o debate sobre se algo é ou não arte carece de sentido, pois não conseguimos divisar os limites da arte. Sei bem que os critérios para a crítica de arte sempre são outros com o passar dos tempos. Mais quais? E o que importa isso no momento da fruição? Somos autorizados a fruir apenas o que está carimbado? Masturbação! Duchamp estava certo, essa ideia da Arte, com esse imenso A, não passa de masturbação.
Aya Takano - Earth, 2004

Bansky - Siga seus sonhos

O que quer que seja arte, o será, em primeiro lugar, para o seu criador. De todos os critérios inaferíveis que possam existir, elejo a sinceridade artística o mais importante. Isto independe do meio, independe de ser comercializável (é lógico), independe de ser feito em massa.
Não se faz arte para os outros, faz-se para si. Mesmo quando mediante encomenda, aquele ponto que caracteriza um produto como artístico transcende o objetivo. Quem pediu para que retratassem a Gioconda, não estipulou: Por favor, quero uma obra-prima, uma que conquiste a fama eterna. Que fascine por séculos e nunca perca sua aura de mistério.
Ora, quantas capelas existem e quantas são a Sistina?
 Ana Maria Dias  - Hoje a festa é na vovó

segunda-feira, 2 de janeiro de 2012

Polke no MASP


Vou abrir o Blog com a exposição que fechou meu 2011 (e fechou bem, diga-se de passagem). Aproveitei, no meu recesso de fim de ano, uma terça-feira abafada para ir ao MASP sem gastar o dinheiro que não tinha sobrevivido ao Natal.
Confesso que não conhecia Sigmar Polke (1941-2010), mas foi um prazer vê-lo de perto. Suas obras têm uma familiaridade estranha e desconcertante que nos impele a pensar nas relações cotidianas que travamos com o mundo.
Sem Título (impressão escolar), 1972
Segundo o texto de apresentação da exposição Sigmar Polke – Realismo Capitalista e outras Histórias Ilustradas, ele entrou firme na cena artística nos anos 60 quando, com Gerhard Ritcher e Konrad Fischer, realizou uma performance intitulada Realismo Capitalista, que mais tarde batizou um movimento que ironizava o Realismo Socialista da União Soviética e questionava a postura acrítica da arte ocidental, que aderira aos valores e vetores do mercado, fortemente representada pela arte pop.
Casa de Final de Semana, 1967-68
A primeira obra que vi na exposição foi Casa de Final de Semana, 1967-68, que me remeteu àquela sensação agradável de se passar um fim de semana tranqüilo em uma casa de campo ou de praia – acho que isso foi minha necessidade de férias falando. Mas, ao passo que as obras dialogavam comigo, deixavam transparecer um inegável sarcasmo, que se manteve presente independente das mudanças de estilo adotadas pelo artista. 
Sua obra que de início apresentava ligações estéticas com a pop, passou fluidamente por pesquisas conceituais, de campos de cor e apropriações do construtivismo. Contudo, padrões que a priori remetem à arte pop, como imagens retiradas de periódicos, cartoon, cartazes, tipo de impressão, e o uso de pinceladas em forma de retículas, continuaram presentes em sua produção, mesmo por que uma forma interessante de se abordar o cotidiano é se valer do repertório imagético deste. O que o distancia dos artistas pop, no entanto, inicialmente é a sua abordagem mais contundente dos temas, abordagem esta inundada de um caráter contestatório, que o tornou um dos artistas mais ativos não só na história da arte, mas na história de seu tempo. Para além desta percepção, a distinção fica clara ao perceber que seu estilo não é engessado, sua única constante é a experimentação. Ele transita entre pintura, desenho, fotografia, colagem, diversos tipos de impressão, se vale da palavra escrita, e mesmo sua utilização das retículas, tão caras à pop, se faz de maneira transcendental, eu diria, pois ela deixa de ser recurso pictórico para se transfigurar em matéria plástica, em mais um elemento a ser pesquisado, experimentado e extrapolado.
Sedução de Filme
O que chamou minha atenção foi o fato de encontrar beleza em meio a comentários agudos acerca da crueza de nossa sociedade. Cores vibrantes e lindas formas coexistem com mendigos e cenas de destruição. Uma combinação de sensações díspares coincidia com a impossibilidade de se categorizar Polke, um artista tão múltiplo quanto a própria arte contemporânea.
A curadoria caprichosa de Teixeira Coelho e Tereza de Arruda facilitou a fruição, com um texto de apresentação impecável e salas que conseguiram separar em nichos, na medida do possível, a grandiosa produção mostrada. Grandiosa tanto em qualidade quanto em quantidade, já que contava com mais de 200 trabalhos, incluindo os originais da série Day by Day, premiada na XIII Bienal de Arte de São Paulo, quando apresentada em formato menor, e que configura um espetáculo cítrico à parte.
         A única ressalva que faço é para a falta de tradução de alguns trechos – o que ocorre em todas as exposições que já fui – já que a palavra é parte importante da obra de Polke. Mas, nem de longe, este fato atrapalhou o desempenho da mostra, que possibilitou aos brasileiros um encontro inesquecível com um dos ícones da arte alemã.
         Quem ainda não viu a exposição corra que ainda dá tempo! Ela fica em cartaz até o dia 29 de janeiro.