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O Livro Vermelho (João Batista passa pela Isbá), 2011
Acrílica sobre lona de caminhão
72 x 92 cm (aberto) |
Nossas
histórias folclóricas remetem a mitos transmitidos oralmente ao longo
de gerações. Tais mitos traziam em seu cerne o intuito de educar moral e
socialmente as diversas comunidades por meio de sentimentos e emoções
de forte impacto, como o medo e a piedade. Monteiro Lobato operou no
Folclore Brasileiro algo similar a infantilização e adocicação que Walt
Disney imprimiu às lendas europeias coletadas pelos Irmãos Grimm,
esvaziando seu caráter soturno.
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João Batista Gilgamesh Batista -
Pedras, 2013
Acrílica sobre tela
60 x 60 cm |
Telles
percorre o caminho inverso, revirando o sótão das tradições a fim de
atingir a camada mais profunda da alma. Distorce o contorno dócil de
figuras conhecidas via “Sítio do Pica-Pau Amarelo” para trazer à tona
criaturas verdadeiramente monstruosas. Mais que ilustrar uma revisão das
lendas, sua obra corporifica aqueles seres e estabelece um diálogo com
uma mitologia própria.
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O Livro do Saci, 2008
Acrílica sobre lona de caminhão
72 x 92 cm (aberto) |
A
materialidade e o estilo, sobretudo, de seus livros remetem a ideia de
uma artesanalidade primordial, menos decorativa que utilitária. São
objetos que carregam uma história que para reverberar precisa ser
manuseada, solicitam a interação como fazem os mitos. A gama sucinta de
cores e o traço estilizado, muitas vezes esquemático, não simplificam a
obra, ao contrário, a carregam com certa aura de mistério. A cor agride
ao mesmo tempo em que seduz o olhar, as figuras fogem e nos obrigam a
segui-las, as cenas sugerem enredos como uma voz que nos leva a delírios
imaginativos. A rudeza do suporte e a presença física da tinta comungam
para que o mito se torne presença, aludindo, ainda, a livros de eras
remotas, enquanto as citações visuais às histórias em quadrinhos
distendem a dimensão temporal, situando a obra no presente.
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Encontro com o Deus Pagão #01 - Curupira, 2011
Acrílica sobre lona de caminhão
210 x 135 cm |
O
caráter atemporal próprio dos mitos, que se adaptam a distintas
realidades incorporando idiossincrasias e metamorfoseando-se, encontra
eco no entrecruzamento do conto contemporâneo criado por Telles com as
lendas por ele apropriadas. A destreza com que o artista transita pelos
diversos suportes - de quadros a instalações - reforça a ideia deste
percurso dialógico e expansivo. Em um caso, o artista conta a trajetória
de João Batista, um homem comum que se descobre descendente de uma
mística tradição familiar, encontrando-se com seres folclóricos, criando
narrativas paralelas, até se transformar finalmente em um Curupira,
encontrando sua essência ou talvez a soma de suas experiências.