por Eduardo Biz
Originalmente publicado em Arte Brasil
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Detalhe da obra de Túlio Pinto: Linha de Terra (2013) / Chapa de ferro e vidro (cubo 50x150x150, vidro 150x200cm e 100mm) |
Há uma característica
comum a todas as esculturas: o poder de alterar um espaço. Toda obra
escultórica se relaciona intimamente com o recinto que ocupa, e faz parte da
experiência contemplativa da arte sentir sua presença material atuando no
ambiente. Quando preenchido por uma escultura, um local jamais será igual ao
que foi antes. Mais do que isso, ele passa a operar como um laboratório onde
possa ser desbravada a tridimensionalidade do volume que o ocupa.
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Túlio Pinto / Linha de Terra (2013) / Imagem: Galeria Baró |
No caso de “Linha de
Terra”, escultura de Túlio Pinto, essa relação de ocupação atinge outras
proporções, extrapolando o espaço e ampliando-se até o espectador. Como
acontece nos passes de mágica, quando se materializa aquilo que era
aparentemente impossível, a obra faz duvidar sobre a realidade dos fatos;
incita a questionar a possibilidade de sua existência, fazendo suspeitar que o
próprio espaço em que se encontra possa ser forjado.
Quando a chance da
ilusão de ótica aciona esse estado de alerta constante, busca-se atentamente
por um deslize qualquer, uma inexistente instabilidade que, a qualquer momento,
revele que tudo não passa de um truque. Não há aqui, entretanto, nenhuma ilusão
incapaz de ser explicada pela física.
Trata-se de um cubo de
aço, de 150 centímetros em cada lado, que apoia um de seus vértices no chão.
Paralelamente ao cubo, uma lâmina de vidro o atravessa, formando um tripé. O
vidro sustenta o bloco — e vice-versa — graças ao jogo entre os pesos desses
materiais, de modo que a estabilidade de ambos os elementos dependa
exclusivamente um do outro.
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Territórios, 2013 |
O contraste de forças,
bastante presente na linha de pensamento que o artista vem construindo em sua
arte, resulta em um equilíbrio improvável que coloca o frágil versus o bruto.
Ao mesmo tempo em que inverte as potências de uma chapa de ferro e de uma
lâmina de vidro, “Linha de Terra” sabota essa disputa, uma vez que uma não se
sustentaria sem a outra.
Passado este primeiro
impacto cético, a firmeza da composição é entendida e comprovada, e então o
trabalho revela simultaneamente a força e a fragilidade oculta nos materiais. É
precisamente neste delicado momento que a obra localiza seu estado de graça: na
precisão estática que mantém de pé aquilo que pode desabar a qualquer momento.
É o instante que congela o que está prestes a acontecer.
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Silêncio, 2011 |
Aproximando diferenças,
torna-se possível perceber que os objetos possuem uma força conflitante ao
potencial que se costuma associar a eles. O vidro, facilmente quebrável, tem
uma robustez invisível intrínseca a ele, que só é percebida quando articulada
por um ângulo incomum.
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Tempo, 2010 Cumplicidade #2, 2013 |
A experiência estética
de “Linha de Terra” se dá nessa percepção de possibilidades. O ponto de
equilíbrio perfeito — que somente a exatidão das leis da física e da matemática
poderia atingir — é um fenômeno que sempre foi possível, embora nunca antes
vislumbrado.
Deste modo, faz sentido
o título da escultura. Na geometria descritiva, linha de terra é uma linha
imaginária que intercepta dois planos, servindo como referência para
identificar a localização de determinado ponto no espaço. Sem ela, não é
possível enxergar aquilo que se quer encontrar.
Essa poética serve como
analogia à própria função da arte na visão de Túlio: tangenciar a sociedade por
meio de reflexões acerca de assuntos cotidianos e até vulgares. São questões
que, apesar de sempre presentes, não são consideradas com atenção justamente
por nunca terem sido deslocadas a outro ponto de vista.
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Transposição, 2012 |
Em vez de apontar verdades, a obra conduz ao
conhecimento de possíveis realidades. Por meio de um jogo lúdico, em muito
semelhante a um truque de mágica, “Linha de Terra” ajuda a compreender o que
nosso pensamento condicionado se limita a considerar impossível: a existência,
ainda que oculta, do outro lado da moeda.