segunda-feira, 26 de março de 2012

Um lugar para respirar


Dia desses, no trabalho, fui ao setor do meu amigo Paulo Yasumura e, apesar de ter visto sua sala inúmeras vezes, reparei com uma atenção inabitual na decoração que ele havia “imposto” ao ambiente.
Ao outrora frio e inóspito local de trabalho, típico de repartição pública, ele acrescentou dois pequenos pontos de luz: uma reprodução de um Van Gogh e outra de um Klimt. Penduradas em paredes opostas, frente a frente, como se lançando olhares incentivadores entre si e gritando em uníssono “- Força! Nós podemos equilibrar as coisas por aqui!”.
Quando toda essa gritaria chamou minha atenção, achei isso um esforço nobre da parte delas e, da parte dele... bem, eu entendi sua necessidade.
Para situar o leitor vou dizer onde estávamos:
Em um quartel da Aeronáutica, até que bem estruturado, com instalações acima da média, mais precisamente no seu setor de PABX que conta com um balcão de atendimento, um gabinete em “L” sobre o qual dois computadores, uma impressora e um telefone se apoiavam junto com pastas e pastas de documentos e papeis amontoados. Em uma das paredes, dividindo seu espaço com um fragmento de Medicina, três prateleiras com ferramentas e mais papéis, além de um micro system anos 90. Já fazendo companhia a uma reprodução em couché da Noite Estrelada, repousando soberano, com a pose majestosa de quem domina o ambiente, um quadro de distribuição de ramais, com seus cabos e plugs expostos feito ferida que teima em não cicatrizar. Completando o preenchimento da sala de menos de 10 m², dois racks de equipamentos técnicos. Além disso, canaletas cor de tédio ornavam teto e paredes.
Dá para se ter uma idéia, creio eu, do quanto ele, aspirante a filósofo, se sentia sufocado.
 ***

Foi saltando do claustro físico para o psicológico que uma breve conversa se instaurou.
Como se pode imaginar, um quartel não é um lugar propício para colóquios filosóficos, papos sobre arte ou coisas do gênero. Contudo, vez ou outra, com as pessoas certas, um bom debate acaba por fluir.
No caso em questão, tivemos muito menos um debate que um desabafo, já que nossos argumentos coincidiam na maior parte das vezes, tendo o saldo me inspirado a redigir este post.

***

Não pude deixar de estabelecer um paralelo entre aquela sala e nossa vida cotidiana.
Responsabilidades, necessidades, desejos, ambições, objetivos, pouco a pouco, nos sufocam, substituem a vida e nos fazem esquecer de viver.
A ditadura dos modismos, a angústia de nunca ser bem sucedido o suficiente, a cobrança incessante sobre nossos ombros, inundando olhos e ouvidos e impregnando a alma, tudo isso é sintoma da realidade que nos cerca.
A ânsia por riquezas materiais e a incapacidade de nos interessarmos por atividades que não apresentem uma finalidade prática, um utilitarismo bem definido acabam por secar a nossa capacidade de abstração e influenciam negativamente mesmo aquelas atividades que julgamos necessárias e importantes para nossas vidas burocráticas.
Pontos de luz precisam ser colocados em nossas vidas. Este, acredito, é o papel da arte. Desempenhar a função de “outro” em um mundo orientado para finalidades práticas.
Remeto aqui ao choque sofrido no início do século passado, quando a industrialização encantava a sociedade e punha em cheque a utilidade de uma atividade artesanal como a arte, ou já na segunda metade, quando as possibilidades de experiências apresentadas pelo mundo levou Kosuth a afirmar:

“A validade da obra de arte não está ligada à apresentação de experiências visuais ou quaisquer outras. (...) Em nossa época encontramos um ambiente drasticamente mais rico em termos de experiência. (...) Certamente não se pode esperar que objetos de pintura e escultura, assim como a arte, possam competir com isso em termos de experiência.”¹

Tenho a impressão de que se acreditava que a arte precisaria disputar espaço com a realidade ao seu redor, quando na verdade ela deveria servir de alternativa, ou seja, não disputar espaço, mas integrar o espaço, assim como aquelas reproduções se esforçam para fazer na sala do meu amigo. Elas sequer combinam com o ambiente e, por isso mesmo, se fazem imprescindíveis.
Hoje é possível dizer que a arte está bem inserida na nossa realidade, mas está perdendo, em muitos casos, a oportunidade de desempenhar o seu papel de outro. Tão inserida a arte se encontra, ela tende a se guiar por interesses externos à própria arte. Expor, e consequentemente, expor-se, vender, participar da cena, estar “in”, passam, não raro, a ser o foco do artista.
Opinião minha: Acho que o trabalho de reedição das vanguardas, a exploração da arte conceitual, nos moldes que foi feita com muita propriedade nos anos 70, são caminhos que já se encontram desgastados. Não, que não existam artistas que se preocupem em falar com relevância para o púbico contemporâneo, existem alguns tantos. Mas, nas palavras da vice-presidente da ABCA (Associação Brasileira de Críticos de Arte), “há pouca oferta de arte de qualidade; há muitos artistas que surgem fabricados pela mídia mas não se mantém porque só o tempo confere o reconhecimento e a consagração.”² 
E estes pretensos artistas são os aproveitadores. São os que se valem do fato de que um mictório foi transmutado em arte para expor um pinico, por exemplo.
Mas o que isso tem a ver com a sala do sargento filósofo?
Relações Interpessoais - 2012.
Minha obra em exposição no MET (Há!)
Meio que de brincadeira eu falei que a sua sala possuía obras modernas e uma contemporânea, me referindo ao quadro de distribuição de ramais.
Ele riu. E eu insisti, surpreendido por minha própria brincadeira. Sem deboche, poderia mesmo ser uma obra de arte. Se um artista a intitula “relações interpessoais” e a coloca em um espaço expositivo, ela vai dar o que pensar. E, vou mais longe, se ela não tiver título dará ainda mais o que pensar, caso a audiência esteja disposta a tanto.
Mas há o risco. Risco de alguém bem relacionado fazer o mesmo com qualquer objeto, operando a “transfiguração do lugar comum”, tão cara a Arthur Danto, sem outro objetivo que não seja o de expor alguma coisa e se tornar artista. Concluímos que risco não é sinônimo de problema, mas de: “atenção!”
Discutindo brevemente sobre intenções artísticas, veredicto a longo prazo, papel das instituições... chegamos ao ponto em que comparamos a Caveira de Diamantes de Hirst e a ação Aqui bate um coração. Vimos algumas obras interessantíssimas de Hirst na excelente Em nome dos artistas, mas concordamos que a tal caveira se relaciona mais ao ego do artista, enquanto os corações afixados nos monumentos batem forte em cada coração que transita pelas cidades.
Não defendo, simplesmente, uma arte política, engajada. Cabe a este tipo de arte ser uma possibilidade, não a regra. Sou a favor da boa arte, da que já foi feita, da que se faz e da que ainda será feita, desde que ela não tenha ares de futilidade, não seja mais uma mercadoria supervalorizada, mais um fetiche, um criador de desejos e necessidades, mas um lugar em que possamos, nos desvencilhando de toda a poluição da vida contemporânea, esticar o pescoço, erguer a cabeça, inflar o peito e, enfim, respirar.

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1- KOSUTH, Joseph. Arte depois da filosofia. Malasartes, Rio de Janeiro, n.1, p. 10-13, ago/set/out. 1975


sábado, 10 de março de 2012

SP-Arte: Dica

Pra quem não tá sabendo, segue uma dica do Mapa das Artes:


8ª SP-Arte cria circuito de visitação em São Paulo +
A oitava edição da SP–Arte - Feira Internacional de Arte de São Paulo irá disponibilizar ingressos para os MAM, MASP e Pinacoteca aos visitantes do evento, que ocorre entre 10 e 13/05/12, na Fundação Bienal, no Parque do Ibirapuera em Sãp Paulo. Por sua vez, quem visitar qualquer uma dessas instituições ganhará ingresso para visitar a feira nos dias 10 e 11/05/12. Segundo a organizadora da SP-Arte, Fernanda Feitosa, o objetivo da parceria é promover um circuito de visitação entre os museus e a feira. Os ingressos custam R$ 30 e R$ 15 (estudantes).

Mais informações:
SP-Arte
Parque do Ibirapuera: av. Pedro Álvares Cabral, s/nº, portão 3. Qui. e sex., 14h/22h; Sab. e dom., 12h/20h. www.sp-arte.com

sexta-feira, 20 de janeiro de 2012

Bagulho Art


Estava vendo umas obras de Mark Khaisman, um Ucraniano que faz retratos com fita adesiva, e resolvi dar uma olhada em alguns outros artistas que usam materiais diversos para criar obras figurativas. Só por diversão...









Material Reciclado

Emergence, 2008

Japonica, 2007

Wayne, 2009

Whirl, 2009
Escultura em arame

Muerto Bonita
Morning Pose

And Light Fell on Her Face Through Heavy Darkness
TIM NOBEL & SUE WEBSTER
Projeção de amontoado de lixo

Dirty White Trash (with gulls), 1998

Kiss of Death, 2003

Metal Fucking Rats, 2006

Sunset Over Manhattan, 2003

Não podia deixar o VIK MUNIZ de lado, né?

Narciso (after Caravaggio)

Marat (Sebastião)

Medusa (after Caravaggio)
E pra fechar (ou abrir) esta pequena seleção:


Pablo Picasso
Cabeça de Touro, 1943
Guidão e selim de bicicleta



segunda-feira, 16 de janeiro de 2012

E não gostei mesmo, hein!


Quando se deparar com uma obra de arte estranha, aparentemente mal-feita, em suma que não lhe agrade, não questione se é arte. Não adianta... Se foi um artista que fez, se está em uma galeria, museu, qualquer órgão validador do sistema das artes... é arte e ponto final.
Agora... não receie dizer “eu não gostei!” ... é um direito seu. Isso não vai lhe desqualificar. Também não desqualifica o artista ou a obra. Já dizia Duchamp que arte ruim ainda é arte.
O gosto pode não ser o melhor instrumento de avaliação de uma obra de arte, mas é o primeiro. Mesmo que pareça superficial, ele é o primeiro contato. O tocar a pele é superficial, mas o quanto pode dizer, e fazer sentir?
Por exemplo, quando um galerista ou um colecionador elege um artista para apoiar, pode ter certeza que, pelo menos, três fatores (para além das qualidades artísticas inegáveis e blábláblá!!) são extremamente relevantes: amizade ou parentesco (famosa peixada), especulação do mercado e, finalmente, O Gosto!
Uma obra pode ser incrível. Mas se o colecionador não gostar, só vai comprar se achar que no futuro vai render alguma coisa. Repito: o primeiro instrumento de avaliação é o gosto.
O que você pode fazer é se aprofundar e pesquisar o artista e a obra, você pode se surpreender positivamente e sair ganhando. Ou pode pesquisar e confirmar a suspeita inicial.
Você pode se aprofundar, é verdade. Mas não tem a menor obrigação, a não ser que seja um estudioso da área. Você pode simplesmente torcer o nariz e procurar a próxima. Tem tanta coisa por aí... talvez, aquela não fosse o seu estilo preferido mesmo.
Não me refiro a obras contemporâneas somente, isso vale até para aquelas já pertencentes ao “cânone sagrado das artes”. Se você não gosta do Van Gogh... perfeito! É melhor dizer : “Eu não gosto!” do que fingir gostar (por mais que soe absurdo dizer que não gosta de Van Gogh).
Por outro lado, o mesmo Duchamp disse que gosto é questão de repetição. Talvez você não goste de alguma coisa, simplesmente, por não estar habituado a ela.
Insista nas visitações a exposições, concertos, salas de cinema, peças teatrais... se quiser mesmo um contato com as artes (o que eu recomendo fortemente!) absorva o que for de seu interesse e abaixo a hipocrisia!

segunda-feira, 9 de janeiro de 2012

E lá se foi meio século...


“Penso em todos esses jovens que, aos vinte anos, estão procurando fazer sua exposição individual. Acham que isto é o bastante para ser um grande pintor!”

Duchamp, em entrevista a Pierre Cabanne em 1966

Página 156 do livro Marcel Duchamp: Engenheiro do tempo perdido

quarta-feira, 4 de janeiro de 2012

POLÊMICA!

Matéria de Adam Sherwin, extraída de Mail Online

O exército de assistentes de Hirst insulta a arte, diz Hockney: ataque do veterano ao receber Ordem do Mérito



   David Hockney criticou Damien Hirst por usar um exército de assistentes para produzir o trabalho que é vendido exclusivamente em seu nome. 

   Em sua primeira declaração pública desde que foi homenageado pela Rainha, Hockney disse que era "um insulto" para um artista empregar outros para fazer suas criações. 

   Ele colocou um cartaz para a sua nova exposição de paisagens na Royal Academy onde se lê: "Todas as obras aqui foram feitas pelo próprio artista, pessoalmente."

   Perguntado por Andrew Marr para Radio Times se isso era uma crítica velada a Hirst - famoso por cobrir um crânio humano com 8.601 diamantes e suspendendo uma vaca e tubarão em formol - Hockney acenou com a cabeça e disse: "É um pouco insultuoso para artesãos, artesãos habilidosos." 

   Nascido em Yorkshire, Hockney, 74, foi um pintor de renome internacional desde os anos 1960, quando ele emergiu como líder da arte pop britânica.

   Ele recusou o título de cavaleiro em 1990, mas acaba de aceitar a nomeação para a prestigiosa Ordem do Mérito. 

   Hirst, 46, também encontrou a fama no mundo inteiro desde que estourou como o enfant terrible do mundo da arte britânica na década de 1990. Mas ele se vangloriou de que muitas das suas spot paintings - linhas de círculos coloridos aleatoriamente - são produzidos por outros, porque ele acha chato fazer o trabalho detalhado.
   Das 300 pinturas a serem expostas em uma grande mostra de Hirst em Nova York na próxima semana, apenas cinco foram produzidos pelo artista.
   Hirst acumulou uma fortuna 215 milhões de libras das suas obras, muitas vezes chocante. No entanto, enquanto ele recebe o crédito, as obras são muitas vezes produzidos por equipes de artesãos trabalhando sob sua direção.
   O crânio incrustado de diamantes, de 50 milhões de libras, que Hirst exibiu em 2007 foi feito para ele pela joalheiros reais Bentley & Skinner.
   A companhia teatral, Props MDM de Londres, ajudou a produzir tubarão empalhado do artista.
   Hockney, visto como o maior pintor britânico vivo, acredita que os artistas devem produzir suas próprias obras.
   Ele disse: "Eu costumava dizer na escola de arte, você pode ensinar o ofício, é a poesia que você não pode ensinar. Mas agora eles tentam ensinar a poesia e não o ofício." 
   Hockney citou um provérbio chinês que diz que para pintar 'você precisa do olho, da mão e do coração. Dois deles não são suficientes". Ele acrescentou: "A outra grande coisa que disse - eu disse isso para Lucian Freud - é, 'a pintura é uma antiga arte dos homens'. Eu gosto disso!"
   Retornando para Yorkshire depois de décadas na Califórnia, Hockney tem trabalhado em seu último show, A Bigger Picture, por mais de três anos. Ela abrange um período de 50 anos para mostrar seu fascínio por paisagens.



E aí!? Hockney, Hirst, ou Não é tão simples assim!?

    



   

Desenterrando poesias 1

Vou arriscar publicar aqui, vez ou outra, coisas que escrevi e guardei nas gavetas do meu computador. Afinal, estamos entre amigos. rs


ARGH!

Que lugar...
Que lugar horrível...
Quem sou eu?
Que pessoa risível...
Perdido
Largado
Jogado
Enlatado
Rotulado
Processado
Quero fugir, quero viver
Cansei de morrer...
O peito aperta
Aperto os olhos
Esmago a alma...
Calma...
Isso passa...
Passado isto, melhora
Passado, este não vai embora
Se faz presente a toda hora
Não se cansa de atordoar
A dor toda não amansa
Muitas paredes me cercam
Grades de espelho me espelham
Esperam centelhas
Centenas destas que teimam em não queimar
Queimam a mim
A segurança gera medo
O medo gera insegurança
E cega...
E chega!
Mas e daí?
Querer nem sempre é poder
Ao menos não pra quem não tem poder
Pode ser...
Milhões sofrem
Grilhões!!
Preciso partir
Preciso pedir?
Um dia...
Tenho fé!
Ou finjo,
Já que quero ter!